quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Sons da cidade


"Andava eu dia desses pelo centro de minha cidade, sem objetivo lógico, não querendo ouvir, nem ver, sem centrar minha atenção em nada nem em ninguém... Sem ansiedades, ou buscas previsíveis. Sem querer sinais plausíveis, ou grandes manifestações.
Passando entre prédios, monstros de pedra, fitava por vezes o solo concreto, os olhares sólidos, que não fixavam os outros, vidas que passavam com grande pressa, sem saberem por onde iam, ou o que buscavam.
Eis que ao longe um som roubou de meus tímpanos a atenção... Rasgava a constância indeterminada de sons. Era música, um tocar de violino que ressoava ao longe. Dando forma ao informe, melodia ao barulho, sentido aos desníveis daquele dia.
Mirei ao longe, um jovem. Recostado num poste férreo. Ao seu lado, a sólida capa do instrumento aberta, com algumas moedas e notas de pequeno valor. Em seu ombro, um companheiro, que lhe falava aos ouvidos como se constantemente respondesse, chorasse, sorrisse, clamasse. Falava-lhe de solidão, de alegria, de amizade, de Deus, quissá... Ele, recostado, olhos fechados, imóvel na constância apenas dos braços, que o moviam por dentro.
Era uma melodia triste, que não deixava canto algum vazio. Até os mais escondidos... Penetrava nas calçadas, ressoava por entre as portas vídreas dos grandes edifícios, se engalfinhava nos ternos caros e sandálias gastas do trabalho exaustivo. Não cessava.
Por alguns instantes em meu peito, todo grito daquela cidade parou.
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Era eu, meu peito e àquele som, àquela experiência com um detalhe, àquele ensinamento.....
Mas tive de passar, deixar com que aquela lição de um minuto se fixasse em meu dia, em minha história, em meu escrever, em meu rezar, em meu eu...
É essa constante missão que está em nós de ver além do visível, de sentir além do natural, de ouvir além dos sons habituais...
Lembrei do som de dentro que irrompe barreiras audíveis, e que alcança o inaudível...
Ele, o jovem ficou ali, na sua aparente solidão.
Triste o ouvido que não diferenciou em meio à tantos sons o brinde daquele minuto"...

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